Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu...
É como dizem os ingleses, um Ato de Deus.
Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade trata-se de um filho apenas suposto.
O neto é, realmente, o sangue do seu sangue, filho do filho, mais filho que filho mesmo...
Cinqüenta anos, cinqüenta e cinco..
. Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava.
Não lhe incomoda envelhecer, é claro.
A velhice tem suas alegrias, as suas compensações: todos dizem isso, embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto, mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também sentia seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.
Não de amores com suas paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essa efervescência.
A saudade é de alguma coisa que você tinha e que lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade.
Bracinhos de criança.
O tumulto da presença infantil ao seu redor.
Meu Deus, para onde foram as suas crianças?
Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que tem sogro e sogra, conjugue emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas.
São homens e mulheres adultos; não são mais aqueles que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe coloca nos braços um bebê.
Completamente grátis, nisso é que está a maravilha.
Sem dores, sem choros, aquela criancinha da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida.
Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um filho seu que lhe é devolvido. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância.
Ao contrário, causaria espanto, decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.
Sim, tenho certeza de que a vida nos dá netos para nos compensar de todas as perdas trazidas pela velhice.
São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixados pelos arroubos juvenis.
É quando vai embalar o menino e ele, tonto de sono abre o olho e diz:
Vó, seu coração estala de felicidade, como pão no forno!
(Raquel de Queiroz)